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domingo, 28 de fevereiro de 2010

A sabedoria secreta dos primeiros Upanishads_A tradição do Yoga_Georg Feurestein


A Idade das Trevas da Índia é uma denominação errônea, citada por alguns historiadores como se fosse um período que vai do colapso das cidades do Indo até a época de Buda. Porém aqueles anos não foram decadentes e muito menos sinistros e ao contrário disso, foram marcados por uma revolução cultural onde houve uma revolução cultural através da grande migração rumo ao fértil Gangues.
O rei Bharata (de quem a Índia tira o nome), viveu durante o tretâ-yuga,cinqüenta gerações antes dos Pândavas (história relatada no Mahabharata) e é provável que os hinos védicos já estivessem completos nessa época. Nessa época também foram organizados o Mahabharata, os Puranas e os quatro hinos védicos, ou seja, parece que uma parte do conhecimento dos Samhistas védicos estava perdida e os rituais modificados. Então surgiu um período de reinterpretação do legado védico e a criação dos Brahmanas, Aranyakas e dos Upanishads – considerados partes da revelação sagrada – e de extensos sutras.
Após essa fase, o ritualismo sacerdotal ortodoxo foi se tornando mais complexo e fechado e os leigos passar a ter um relacionamento próprio com a realidade sagrada, voltando-se aos mestres que tinham um contato com a Divindade. Muitos desses mestres estavam fora da ortodoxia sacerdotal como é até hoje na Índia. Os Brahmanes continuaram sendo solicitados para os rituais (casamentos, funerais, etc), e cultos religiosos onde a Divindade era adorada como um ser pessoal e não impessoal e as escolas esotéricas, como a dos Upanishads, prometiam uma união com o Ente supremo.

OS BRAHMANAS
São obras em prosa que explicam os rituais védicos e sua mitologia. Criados pelos sacerdotes védicos, são ortodoxos. O mais antigo dos Brahmanas é o Aitareya-Brahmana, composto de 40 capítulos e que trata do sacrifício do Soma , do sacrifício do fogo (agni-hotra) e da consagração dos reis (raja-suya). Um dos textos fala do mistério sobre a construção do altar do fogo e aos seus significados macrocósmicos e microcósmicos. O altar do fogo é formado por seis camadas de tijolos e seis camadas de argamassa, que representam os doze meses. As camadas simbolizam o prana, apana, vyana, udana, samana e vac. Os 101 tijolos simbolizam os 101 elementos que constituem o sol. Aí entra o Brihad-Aranyaka-Upanishad que dá uma resposta falando dos 101 canais existentes no corpo humano onde apenas um leva a imortalidade (sushumna).
O Shata- Phata- Brahmana fala dos sete mundos celestiais que podem ser os sete chakras de algumas escolas tântricas e do hatha-yoga. É um Brahmana que tem especulações sobre o fundamento do universo, do prana, do renascimento, todas vinculadas ao misticismo sacrifical védico.
O yoga não está citado nos Brahamanas, porém podemos ver no ritualismo algumas fontes que depois formaram a tradição yogue, como práticas proto-yogue, como concentração e controle da respiração (shata-phata), a cerimônia do prana-agni-hotra (sacrifício do fogo pela respiração) e que faz com que a força vital tome o lugar do fogo ritual e é identificada como átman. Esse sacrifício foi importante na “interiorização do sacrifício”, ou seja, transformação dos ritos externos em ritos internos ou mentais.
ARANYAKAS
Conhecidos como ensinamentos das florestas, são parecidos com os Brahmanas e que eram “livros” com rituais ortodoxos para os brahmanes se retirarem para a floresta (aranya), atrás da solidão, em mauna e rituais místicos. É o primeiro sinal de renuncia ao mundo (samnyasa) e que se tornou muito forte na Índia. Muitos Aranyakas se perderam, os existentes ainda são: Aitareya, kaushitaki-aranyaka (ambos do Rig-veda), o Taittiriya-Aranyaka (Yajur-veda Negro) e o Brihad-Aranyaka (Yajur-veda branco). Existem alguns aranyakas que eram sagrados demais para serem divulgados e que preparam o caminho para a doutrina mais esotéricas dos Upanishads que eram o Sama-veda e o Atharva-veda.

O ALVORECER DA ERA UPANISHÁDICA
Brihad-Aranyaka, Chandogya, Kaushitaki-Aitareya e Kena-Upanishad, datam de mais de três mil anos, são as upanishads mais antigas e refletem a forma de meditação e contemplação intensas. Alguns trechos do Kaushitaki-Brahmana-Upanishad demonstram como o sacrifício do fogo já era praticado pelos sábios que compuseram os Brahmanas e pelos videntes védicos.
Pode-se citar alguns Bramanes de destaque como Yajnavalkya, da nobreza, outros que viviam no isolamento das florestas, outros eram reis poderosos e o que todos eles tinham em comum era a aspiração pela sabedoria até chegar na realização da Realidade Incondicionada, que eles deram o nome de brahman, o Absoluto, que vem da raiz crescer.
Eram voltados para a meditação ou adoração interna para obtenção do conhecimento mas ainda ligados aos rituais sacrificiais. Até mesmo os ascetas praticavam o culto da sociedade védica convencional.
A palavra Upanishad significa “sentar-se no chão perto”, pois os que queriam o conhecimento tinham que se sentar próximos aos sábios com respeito e humildade necessários, pois a sabedoria era sussurrada.
A doutrina das Upansihad tem quatro eixos conceituais interligados:
· A realidade Suprema – absolutamente idêntica à nossa íntima essência; Brahman é Atman e Atman é Brahman.
· Só a realização liberta do sofrimento (nascer, viver e morrer).
· Os pensamentos e ações do ser determinam o seu destino – lei do karma.
· Se não se libertar e realizar, terá de nascer nos mundos inferiores dependendo do seu karma.
Segundo estudiosos a doutrina do Karma e da reencarnação surgiu da era dravídica, outros acham que os próprios sábios das Upanishads desvendaram o ciclo de nascimentos e mortes, mas ambas as opiniões ignoram que os rishis rig-védicos conheciam a reencarnação e o karma. Já a fuga da roda de nascimentos sucessivos tornou-se logo um dos principais motivos da espiritualidade indiana.
Passagens do Upanishad descrevem a suprema Realidade como Consciência pura e sem forma que não podem ser descritas, só pode ser realizada, que é a constatação imediata de que o si mesmo é infinito, eterno e bem-aventurado.Os primeiros Upanishads têm poucas instruções práticas sobre meditação. São consideradas revelações védicas e por isso são chamados de Vedantas (fim dos vedas). Todas as doutrinas subseqüentes deixam de ser shruti (revelação) e passam a ser smriti (tradição).
A EXTENSÃO DA LITERATURA UPANISHÁDICA
Existem mais de duzentos upanishads sendo que a maioria já foi traduzido para o inglês. Os tradicionalistas reconhecem 108 upanishads. Existem os mais antigos que são divididos em grupos.
O primeiro grupo compreende:
Brihad-Aranyaka
Chandogya
Taittirya
Kau-shitaki
Aitareya
Kena
Maha-narayana

O segundo grupo compreende:
Samayana-Vedanta-Upanishads – Vedanta em geral;
Samnyasa- Upanishads – ideal de renúncia;
Shakta- Upanishads – ensinamentos ligados shakti;
Upanishads Sectários – cultos religiosos ligados à divindades;
Yoga- Upanishads- explicam aspectos do processo yogue e do hatha-yoga, incluindo obras que foram escritas já na Era Cristã.
Nenhum desses textos eram escritos, inclusive os sútras. Eram memorizados e transmitidos oralmente de mestres a discípulos. Mesmo a memorização não sendo uma realização por sim mesma, ajudava a levar o estudante a um grau elevado de concentração, importante para o trabalho espiritual, ficando em contato permanente com a sabedoria.
BRIHAD-ARANYAKA UPANISHAD
É mais antigo Upanishad onde a meditação está ligada à rituais de sacrifício onde começa com o sacrifício do cavalo (ashva-medha) visto como um acontecimento cosmológico, para assegurar a contínua prosperidade do reinado.
Feurestein nos conta que a esposa do sacrificante simula uma relação sexual com o cavalo morto antes de ele ser retalhado e cozido onde a mulher absorve a energia vital do cavalo, como simbolismo sexual do Tantra. Em outra literatura de Roberto Calasso, KA, da Compahia das Letras, Editora Schwarcz Ltda, 1999, diz que antes de morrer, o cavalo era amarrado a outras doze vítimas animais, e era solto para delimitar quais seriam as terras conquistadas pelos reis, onde viria a ser Mahabharata. O cavalo passou a simbolizar o sol e, portanto, o Si Mesmo transcendente.
É nos versos de Yajñalvalkya que aparece a liberação do homem da roda do renascimento:
“Quando nascido, na verdade, ele não nasce outra vez.
Quem poderia procriá-lo novamente?
Brahman é conhecimento, é bem-aventurança,
O objetivo final do doador de ofertas,
Dele,também, que permanece o conhece”.
Brhadaranyaka-Upanishad – (III.9.28)

CHÂNDOGYA-UPANISHAD

Das palavras chandas ou “hino” e ga ou “ir”, foi que Chândogya surgiu trazendo a referência do Sama-veda, onde rituais de sacrifícios eram cantados pelos chândogas, os cantores védicos.
Isso evidencia o surgimento das especulações sobre o som sagrado, a sílaba om, que é o mantra mais importante do Hinduísmo, e que traz uma longa história que remonta os tempos védicos. A sílaba era vocalizada antes de depois de todos os rituais e considerada uma revelação divina.
Para os Yogues é o som ouvido durante a meditação profunda, que vibra pelo cosmo inteiro, enquanto para outras tradições (como pitagórica e neoplatônica) chamam de “música das esferas”, ou seja, a harmonia cósmica produzida pelo movimento dos corpos celestes.
É no terceiro capítulo que aparece o sagrado gayatri-mantra e é em Chandogya que aparece a parábola que ilustra o mantran “TAT TVAM ASI”.
No mesmo capítulo tem uma seção que fala de Krishna identificado como Krishna da epopéia Mahabharata. Menciona-se a doutrina onde na hora da morte a pessoa deve repetir três vezes:
Tú és o imperecível! Tú és o imutável! Tú és a própria essência da vida”. Essa doutrina assemelha-se ao ensinamento do Senhor Krishna no Bhagavad-Gita, onde o último pensamento da pessoa dever ser votado a Deus a nenhuma outra coisa mundana. Essa doutrina é uma referência de Ghoura, mestre de Krishna.
Ainda nesse capítulo, segundo Ghoura, tapas, dana, arjava,ahimsa e satya (ascese,caridade,retidão, não-violência e a veracidade, devem ser as oferendas sacrificiais dadas ao sacerdote oficiante (viver corretamente é o maior presente que se pode dar a um mestre pelos ensinamentos recebidos). Ghoura indica o vínculo entre Krishna e a tradição do Atharva-Veda, e essa idéia é reforçada pelo Bhagavat- Gita.
No Chandogya-upanishad surgiu com a “Doutrina do Mel” (Madhuvidya) que é citada também no Rig-veda e Ahtrava-Veda, com a prática do sacrifício internalizado que tornou possível a mudança para o ritual ariano, chamando de sacrifício (Brahmacharya), através da castidade. O mel representa o néctar da imortalidade e segundo o Tantra é produzido no próprio corpo. Os mesmos cinco tipos de néctar são os mesmos reconhecidos pelo Tantra.
Conhecimentos a respeito dos Pranayamas surgem da prática yogue de controle da respiração, fazendo exposição de formas da força vital (prana), chamadas de aberturas divinas do coração.
“O Conhecedor do Absoluto “não nasce nem se pões, mas permanece solitário no centro”.
Chândogya-Upanishad – (3.11.1)

TAITTIRIYA-UPANISHAD
Inserido na tradição Yajur-Veda, Taittiriya-Upanishad (terceiro mais antigo), provém do mestre Tittiri (significa perdiz) e é semelhante ao Chândogyia-Upanishad, pois também dá ênfase aos cânticos e sacrifícios védicos.
A Doutrina recebida por Bhrigu, é a mais importante para o yoga, e diz que todas as coisas devem ser concebidas como alimentos (Anna). Esta Upanishad ensina que existem graus diferentes de felicidade que começam com a simples alegria ou prazer de uma vida próspera na terra até a bem-aventurança do Absoluto.
A doutrina do panca-kosha (cinco invólucros) pode ser vista no versículo:

“Aquele que sabe disto, a partir desse mundo,
Passa ao si mesmo que é feito de alimento,
passa ao si mesmo que é feito da força vital,
passa ao si mesmo que é feito de mente,
passa ao si mesmo que é feito de conhecimento,
passa ao sim mesmo que é feito de bem-aventurança.”

Taittiriya-Upanishad (2.8-9)

Essa doutrina a que me refiro nesse estudo, dos cinco invólucros, são:
v Anna-maya-kosha – invólucro feito de alimentos, ou seja, corpo físico.
v Prana-maya-kosha – invólucro feito de força vital, ou seja, corpo etérico.
v Mano-maya-kosha – invólucro feito da mente, ou sentido interno ligado ao corpo físico e ao corpo etérico.
v Vijnâna-maya-kosha – invólucro feito de conhecimento, ou seja, mente, sentido interno, coordenando as informações recebidas pelos sentidos, ao passo que vijnâna é uma função cognitiva superior.
v Ânanda-maya-kosha – invólucro feito de bem-aventurança. Posteriormente o Vedanta afirma que o Absoluto transcende os cinco invólucros.

Outros Upanishads antigos
O AITAREYA-UPANISHAD possuidor um material cosmogênico arcaico, cita o Si mesmo (átman) como criador do universo, da sua própria essência, criando os elementos materiais, os devas e faculdades como audição e visão que se uniram a forma humana e o alimento para todas as criaturas. No final do ato da criação, surge o Sahasrara-chakra, por onde o Si Mesmo entra no corpo humano.
O KAUSHITAKI-UPANISHAD fala sobre a doutrina do renascimento, do caminho que leva ao mundo do absoluto, Brahma-loka, e um discurso sobre o prana ressaltando que Vida é prana, prana é vida.
O KENA-UPANISHAD que significa “por quem?” é um questionamento sobre quem enviou a mente, a palavra e a visão que faz com que a nossa consciência volte para o exterior. A responsável pelo envio dessa consciência externa é a mesma Realidade de onde vêm os objetos dessa consciência condicionada.

OS PRIMEIROS YOGA-UPANISHADS (UPANISHADS SECUNDÁRIOS)
Os indianos, eram politeístas, encontravam divindades em toda parte. Encaminharam-se para o monismo (diferente do monoteísmo – um só Deus), mas que todos os deuses, todos os homens e todas as coisas são manifestações diferentes da divindade, de um espírito que enche o universo. Esse conceito é expressado na parábola famosa A Essência Sutil (Chandogya- Upanishad) que fala da divisão do figo até que se torne em pequenas sementes, o que as grandes figueiras crescem, demonstrando que a alma é assim, um espírito invisível que a tudo se estende.
KATHA-UPANISHAD
Considerado o mais antigo upanishad a falar do yoga. Sua narrativa é sobre a morte e é onde o Rei da morte revela o último segredo: “Além da vida e da morte, o segredo é AUM, a vida eterna, o BRAHMAN”. O nome Katha deriva de uma escola védica associada ao Yajur-Veda Negro. O desenvolvimento das novas doutrinas yogues aparece em torno de uma antiga lenda onde um brâhmane pobre ofereceu aos sacerdotes, como sacrifício, algumas vaca velhas e fracas. Seu filho Naciketas, preocupado com o pai na outra vida ofereceu-se a si mesmo como oferenda mais digna. Seu pai com muita ira, enviou o filho a Yama, soberano o mundo da morte. Yama estava ausente e Naciketas teve que esperar três dias sem comer e nem beber até o que Yama voltasse ao reino. Feliz com a persistência de Naciketas, Yama ofereceu-lhe três pedidos. No primeiro, Naciketas pediu para ser devolvido vivo ao seu pai, no segundo pediu para conhecer o segredo do fogo sacrificial que leva ao céu e por fim, como terceiro pedido pediu para conhecer o mistério da vida após a morte. Yama tentou de várias formas fazer com que Naciketa desistisse do último pedido, oferecendo-lhe coisas aparentemente muito mais interessantes mas este não aceitou e Yama passou a instruí-lo no caminho da emancipação. A história reflete um processo iniciático, que exige reclusão, jejum e confronto com a morte.
O “Yoga do Si Mesmo Profundo”, chamado adhyâtma-yoga afirma que o Si Mesmo não é uma coisa que se possa perceber ou analisar de forma comum, pois é um sujeito que está além de todas as coisas. Diz o Katha-Upanishad que é “alcançado por aquele a quem Ele escolhe”, mas o aspirante pode se preparar para a realização.
É nesse ponto que o katha-upanishad entra com a prática espiritual, ou seja, a retomada do consciente, através de etapas, distinguindo sete estágios ou níveis que compõe a Cadeia do ser:
1. Os sentidos (indriya)
2. Os objetos dos sentidos (vishaya)
3. A mente inferior (manas)
4. O intelecto superior (buddhi)
5. Entidade coletiva composta pelos Si Mesmo individuados (maha-átman)
6. O Não-manifesto que é o fundamento transcendental da Natureza (prakriti)
7. O Si Mesmo (purusha), que é a identidade do ser humano.
Portanto, segundo o texto apresentado (O YOGA NOS UPANISHADS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS) – FILOSOFIA ORIENTAL para complementar o livro, é a prática de domínio dos sentidos (STHIRAM-INDRYA-DHARANAM), ou seja, o Átman só pode ser atingido pela meditação, concentração ou práticas do Yoga. Apesar disso, o Katha não apresenta uma sistematização de prática. Mas é no Katha que o Yoga começa a aparecer como uma tradição independente e com características próprias.

SHVETÂSHVATARA-UPANISHAD
É nessa Upanishad que temos a primeira sistematização da prática de yoga. Escrita em verso, assemelha-se com o Bhagavad-Gita e significa literalmente “o cavalo mais branco” que segundo comentários posteriores de Shankara, era o título dado a alguém cujos sentidos estão completamente purificados e subjugados, ou seja, um sábio. Esse sábio (autor anônimo) era adepto da inibição sensorial e meditação, através de um ponto de vista metafísico onde toda a Natureza surgem em Deus “panenteísmo”, distinguido-o do panteísmo, onde apenas equipara a Natureza a Deus, sendo essa última rejeitada pelo autor dessa upanishad, para quem Isha (O Senhor) permanece acima da sua criação. É a primeira Upanishad a empregar a palavra Bhakti (amor, devoção).
“O senhor (îsha) sustenta este universo composto do perecível e do imperecível, do manifesto e do não manifesto. O eu individual não é o Senhor, é limitado pela falsa idéias dde ser o que goza (dos objetos dos sentidos). Mas, ao conhecer a Deus, é liberto de todos os grilhões.”
Shvetâshvatara-Upanishad (1.8)
O caminho para esta compreensão é a meditação, através da recitação da sílaba OM, conhecida como pranava. É nessa Upanishad que surge a indicação sobre a postura correta, com as costas retas para possibilitar a livre circulação do prana, com a respiração consciente que leva a concentração mental. Cita inclusive as condições ambientais corretas, recomendando a prática em cavernas silenciosas e lugares puros.
Como primeiros resultados da prática e com a aquietação da mente, surgem a leveza do corpo, a boa saúde, a estabilidade, a beleza do rosto e da voz, o odor agradável do corpo e a diminuição das excreções, ou seja, a transmutação do corpo num “corpo constituído pelo fogo do Yoga”.
O autor é adorador de Shiva: “Que Rudra, fonte e origem de todas as divindades, senhor de todas as coisas, o grande vidente que assistiu ao nascimento do embrião de ouro (no princípio dos tempos), nos conceda uma sabedoria auspiciosa.” Shvetâshvatara-upanishad (4.12)

Segundo o texto COMPLEMENTAR “O YOGA NOS UPANISHADS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS” (APOSTILA DE AULA: FEUERSTEIN G.), podemos citar outras upanishads:
O MAITRAYANYA-UPANISHAD mostra um desenvolvimento mais maduro do yoga com ensinamentos brahmanicos e doutrinas do Sâmkhya e com influência budista. Traz informações sobre o OM. Fala do Yoga com seis etapas (sem os yamas e nyamas e posturas), com um novo elemento TARKA, que não aparece posteriormente no Yoga em oito partes de Patañjali. TARKA significa reflexão, um tipo de êxtase de pensamento discursivo.
O IÇA-UPANISHAD é o menor dos Upanishads e fala de um tipo de Karma-yoga, ensinando a renúncia interior, através de vários versos, onde Mahatma Gandhi, posteriormente, juntou com sua primeira prece cotidiana, assim:
“Tudo que existe no mundo é sujeito a mudança; envolve de divino cada uma de tuas percepções; é pela renúncia que te enriquecerás (espiritualmente); não cobices, portanto, o bem de quem quer que seja (porque nada te pertence).”
O MUNDAKA-UPANISHAD é da mesma época de IÇA e com o mesmo pensamento, considerado fonte do Bhagavad-Gita. Admite o valor do ritualismo, recomenda o conhecimento de Brahman pelo Purusha, ultrapassando o ciclo dos renascimentos.
Depois veio o PRAÇNA E O MANDUKYA-UPANISHAD. O PRAÇNA tem seis questões feitas pelo discípulo ao mestre e fala do significado do Prana como o fogo no homem. A vida é o sacrifício e o domínio do alento é o melhor caminho para adoração.
O MANDUKYA fala dos três componentes do mantra OM (A+U+M) e sua relação com os três estados de consciência:
A – BRAHMAN – CRIAÇÃO – FORMA ASPIRAL – COR VERMELHA – ESTADO DE VIGÍLIA.
U – VISHNU – CONSERVAÇÃO – FORMA COESÃO – COR BRANCA – ESTADO DO SONHO.
M - SHIVA – DISSOLUÇÃO – FORMA DISPERSÃO – COR AZUL ANIL – ESTADO DO SONO PROFUNDO SEM SONHOS.
- TURIYA – O ABSOLUTO – transcende esses três estados e que inspirou o Mandukya-Karika de Gaudapada, um dos mestres do Vedanta.

Considerações Finais

Como escritora dessa resenha, achei que Brihad-Aranyaka Upanishad é sem dúvida, a mais forte em transformação, mostrando que o ser humano se livra passando por cima dos apegos, identificação com ego, com o sofrimento (kleshas, apesar de não serem referenciados diretamente nessa obra) através do ritual que forçava o ser a se voltar para dentro. Percebi que se os leitores não tiverem uma noção de desapego com relação à vida e a dor da morte, achariam o ritual bizarro, cruel e enfadonho. Mas é provável que se o leitor tiver lido o bhagavath Gita, antes dessa Upanishad, entenderá a mesma coisa que Krishna diz para Arjuna, que ele precisa matar os tios, os mestres que lhe ensinaram, e para isso, passar por cima até mesmo do ego da dor. Então o ritual leva ver a morte com libertação do próprio ego.
É transformação para compreender, é aceitação! Acho que representa muito a dificuldade dos humanos de hoje, pois estes temem a mudança, justamente por medo de deixar algo para trás e continuar se identificando com os kleshas.
Como mantras (instrumento para pensar) nos fazem nos voltar para nós mesmos, é natural que o homem passe a procurar as respostas e mudanças dentro de si mesmo. Acho que em Chândogya, o homem percebeu que o ritual deveria ser voltado para dentro de si mesmo ao invés dos estímulos e mudanças externas, mas que também não deixavam de provocar mudanças interiores. Porém, os mantras e a ascese são formas de rituais e de sacrifício tão impactante ou até maior para gerar as mudanças para a libertação. Seria por isso que Arjuna seria mais uma vez citado nas Upanishads ritualísticas?
Acho que chegou num ponto, conforme as Upanishads foram surgindo, que a mudança do ritual, para um sacrifício interno e uma percepção profunda interna, fez com que o ser percebesse a sua composição (koshas) bem como aquilo que nutre essas composições (Anna), já formalizando o trajeto para a busca da realização, em seus diferentes níveis. A resposta que o homem queria sobre quem era e do que era feito estava cada vez mais clara. “Aquele que me dá é o mesmo que Me preservou” mostra bem a triunfante realização do ser, mostrando a unidade com o Ser. Lindo!!! Ao ler essas upanishads e seus versículos, tenho a impressão de não precisar praticar nada para entender...é tão simples dita por eles.
Sempre que o homem, como consciência individualizada ou coletiva, se depara com a questão da morte, é que ele transcende. Alguns sofrem muito, resistem mas muitos aceitam e passam a viver com mais intensidade. Katha-Upanishad fez com que os seres humanos encontrassem uma solução para o seu maior klesha (o medo da morte). Esse medo trouxe a transcendência. Mas até os dias de hoje, o ser humano precisa se deparar, ou seja, confrontar com ela para promover uma evolução significativa na sua existência. (Quantas pessoas despertam para a Realidade suprema quando estão à beira da morte?) Quando o reconhecimento de unidade com o universo surge, aparece também a imortalidade, aparece também a esperança de poder continuar existindo além da matéria. Se pararmos para pensar, estamos morrendo o tempo todo, transformando o tempo todo e é por isso que apego ao corpo, mente, matéria levam ao sofrimento daqueles que não aceitam as mudanças. Quando aliamos a nossa existência à morte, aceitamos as transformações, abrimos nosso coração e a nossa consciência para o novo, é aí que o Átman passa a governar a nossa consciência...eis a bem-aventurança!!! É aí que entram os escritores contemporâneos nos mostrando que o sofrimento ensina muito...

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